quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Castelo de Montaigne


O ócio e uma bela paisagem é sempre um lugar convidativo para filosofar. O velho Sócrates filosofava pelas ruas de Atenas, Platão tinha sua acadêmia, Aristóteles o seu liceu, e Epicuro um jardim exclusivo. Mas nenhum deles tinha um lugar tão glamouroso para filosofar, como Michel de Montaigne.

Michel de Montaigne nasceu em 1533 perto de Bordeaux, no sudoeste da França. Foi educado em casa e até os 6 anos só falava e entendia latim. Formou-se em Direito na Universidade de Toulouse e imediatamente ingressou na magistratura. Aos 24 anos, conheceu o escritor Étienne de la Boétie (1530-1563), com quem desenvolveu fortes laços de amizade. A morte de La Boétie causou um abalo emocional que o levou a começar a escrever. Em 1570, ele vendeu sua vaga no Parlamento (que na verdade tinha funções de tribunal) de Bordeaux, como era costume na época, e retirou-se da vida pública. Passou então a dedicar-se a escrever os Ensaios, que ele reelaborou e ampliou continuamente. Durante esse período, Montaigne alternou o recolhimento a seu castelo com idas a Paris para dar conselhos aos funcionários do reino sobre os conflitos religiosos. Em 1580, começou uma viagem de 15 meses por vários países da Europa. No ano seguinte, soube que havia sido escolhido prefeito de Bordeaux. Assumiu o cargo e manteve-o durante quatro anos. Morreu em 1592, em seu castelo, de uma inflamação nas amígdalas.

O período histórico da Renascença estava em sua última fase quando o escritor francês Michel de Montaigne (1533-1592) chegou à vida adulta. O otimismo e a confiança nas possibilidades humanas já não eram os mesmos e a Europa se desestabilizava em conseqüência dos conflitos entre católicos e protestantes. Esse ambiente refletiu-se na produção do filósofo, marcada pela dúvida e pelo ceticismo. Seus Ensaios são leitura de cabeceira de um grande número de intelectuais contemporâneos, entre eles Claude Lévi-Strauss, Edgar Morin e Harold Bloom. A obra, originalmente em três volumes, é, a rigor, a única de Montaigne – mais alguns escritos pessoais foram publicados depois de sua morte – e inaugurou um gênero literário. A palavra "ensaio" passou desde então a designar textos em torno de um assunto que vai sendo explorado por meio de tentativas (esse é o significado da palavra essais em francês), mas sem rigores de método. Muitas vezes, não chegam a nenhuma conclusão definitiva, mas convidam o leitor a considerar alguns pontos de vista. No caso de Montaigne, o gênero serve à perfeição ao propósito de contestar certezas absolutas.

Torre onde era localizada a biblioteca de Montaigne.
Sobre filosofar em um Castelo:

Montaigne “preferia passar o seu tempo numa biblioteca circular no terceiro piso de uma torre num dos cantos do castelo: «Passei aí a maior parte dos dias da minha vida, e grande parte das horas de cada dia».
A biblioteca tinha três janelas (com aquilo que Montaigne descrevia como vistas «esplêndidas e ilimitadas»), uma mesa de trabalho, uma cadeira e, dispostos em três prateleiras de estantes em semicírculo, cerca de mil livros de filosofia, história, poesia e religião. Foi aqui que Montaigne leu Sócrates («o homem mais sábio que alguma vez existiu») dirigindo-se energicamente aos impacientes jurados de Atenas, numa edição latina de Platão traduzida por Marsílio Ficino; foi aqui que leu a visão de Epicuro sobre a felicidade na obra de Diógenes Laércio Vidas, e na De Rerum Natura de Lucrécio, editada por Denys Lambin em 1563; e foi ainda aqui que ele leu repetidas vezes Séneca (um autor «espantosamente adaptado ao meu estado de espírito») num novo conjunto dos seus trabalhos impresso em Basileia em 1557”.

 
Alain de Botton, "O Consolo da Filosofia" (ed. D. Quixote), pág. 140-1


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